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João Carvalho Dias

A mestria da linha: três desenhos da Coleção Calouste Gulbenkian
The art of the line: Three Drawings from the Calouste Gulbenkian Collection

Entre as cerca de 6000 peças que constituem a Coleção reunida por Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955), conta-se um pequeno conjunto de desenhos, que habitualmente se associa a um também reduzido número de aguarelas. Estes núcleos não se encontram habitualmente presentes no discurso expositivo do Museu, em que participam apenas pontualmente, em regime de rotatividade ou em exposições temporárias. Estas circunstâncias, a que se junta o facto de a coleção ter sido severamente afetada pelas inundações de 1967, na altura em que se aguardava a transferência do Palácio Pombal em Oeiras para o Museu onde ficaria instalada, a partir de 1969, contribuiu para que grande parte do público desconheça a sua existência.

Não fosse a importância de algumas destas obras, verdadeiramente compendiais, estaríamos a falar de uma coleção «escondida». Exemplo disto mesmo são os desenhos de Albrecht Dürer, Pato bravo morto; de Jean Antoine Watteau, Três estudos da cabeça de uma jovem; e porventura menos conhecido, mas igualmente relevante, Paisagem ao entardecer, de Jean-François Millet. Embora os dois primeiros sejam frequentemente requisitados para participarem em exposições internacionais, por se tratar de obras maiores no contexto da produção artística de Dürer e de Watteau, o desenho de Millet acrescenta a técnica da execução a pedra negra e giz branco, aos dois pastéis existentes na Coleção. Embora separados cronologicamente, reconhecemos a mestria do uso da linha como elemento comum aos três desenhos escolhidos por Calouste Gulbenkian. Mestria será a palavra-chave para entender as escolhas do colecionador, para quem o desenho deveria ter um «interesse excecional» para que chamasse a sua atenção. No entanto, não devemos circunscrever o interesse de Gulbenkian pelo desenho, presente unicamente em folhas soltas, uma vez que a sua vertente de bibliófilo privilegiava a ilustração, em particular, os desenhos e aguarelas originais, que «recheavam» as belas edições, que assim se tornavam exemplares únicos, verdadeiros objetos de coleção. Estes livros excecionais confirmam, o interesse de Gulbenkian pela singularidade do desenho nas suas múltiplas possibilidades, incluindo a gravura, categoria artística que também colecionou.

Albrecht Dürer (1471-1528) – Pato-Bravo Morto
Alemanha, c. 1502 (?) ou c. 1512 (?)
Pena e pincel, aguarela, guache, tinta-da-china, traçado subjacente a grafite e realces a ouro sobre pergaminho – Inv. 140
© Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Jean Antoine Watteau (1684-1717) – Três estudos da cabeça de uma jovem – França, c. 1716-1717
Três lápis (pedra-negra, sanguínea e giz branco) e esfuminho sobre papel Inv. 2300
© Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Jean-François Millet (1814-1875) – Paisagem ao entardecer – França (Barbizon), c. 1851-1852
Pedra-negra e giz branco sobre papel (reto); pedra-negra (verso) – Inv. 867
© Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Aspeto do Salon Sycomore. Residência de Calouste Gulbenkian na Av. d’Iéna, Paris
© Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Foto: Keurhadjian

gulbenkian.pt/museu

Bibliografia
Fidalgo, M. (2014). Desenhos e Aguarelas na Coleção Calouste Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

João Carvalho Dias

Iniciou a sua formação em História da Arte e Língua e Literatura Francesas no Birkbeck College, University of London. É licenciado em História da Arte, FCSH-UNL, com pós-graduação em História da Arte Contemporânea, FCSH-UNL. Investigador ARTIS-Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na área do colecionismo, tendo concluído a fase curricular do Curso de Doutoramento de História de Arte – ARTIS-FLUL. Responsável pelas coleções livros, desenhos, gravuras e medalhas europeias da Coleção Gulbenkian, é atualmente Diretor-Adjunto do Museu Calouste Gulbenkian. Foi responsável por várias comunicações e artigos dedicados a Calouste Gulbenkian e ao seu colecionismo, pelo comissariado de exposições, e foi editor de inúmeros catálogos da Coleção do Museu Calouste Gulbenkian e das suas exposições.