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8 Julho 2020

João Catarino

Perder o Norte
uma viagem pelo desenho

Perder o norte, recolher, submergir, desacelerar.
A floresta proporciona um contacto imersivo.

O desenho torna o ato de observar mais profundo, melhora a sua qualidade. Se fosse um objeto; seria um objeto útil à observação.

Pelo desenho talvez consiga conjugar a relação entre a mente e a mão, e também entre a sensibilidade e a razão.

A liberdade de escolhas nos percursos que optamos revelar e não revelar, permitindo e negando a visão do objecto ou do espaço, numa interpretação livre, que contempla diferentes possibilidades de percepção.

É nessa relação tátil que se estabelece um contacto direto, imersivo, com as formas, com as sombras e com a luz.

Os cadernos de desenhos podem ser o dispositivo de contacto entre o desenhador e o que é observado.

… consequentemente, constituem a prova desse contacto
que testemunha a presença do desenhador perante o espaço.

Isso pode levar-nos a uma permanente descoberta e também à permanente ideia de viagem pelo desenho.

Essa interação emocional complexa, que a mente e a mão estabelecem com o espaço, de forma fragmentada e descontínua, repleta de partidas e chegadas, parece ordenar-se na própria anatomia do caderno, uma plataforma sólida com um princípio e um fim.

A natureza dos desenhos em cadernos não assenta na ideia de projeto. Provavelmente numa consciência de carácter autoral. A sua intenção reside no próprio ato de desenhar, nessa profundidade e na intimidade da relação com o que observamos.

O ato de desenhar, a partir da observação, pode constituir, em si mesmo, a ideia da percepção real, aquela que corresponde a uma predisposição para com a descoberta.

Nesse sentido, o ato de desenhar, aproxima-nos da ideia de viagem.

Isso talvez nos leve a crer que viajar não implica necessariamente ter de partir.

O desenho pode encurtar distâncias, através dele, somos também convidados a olhar para o que está próximo, para os lugares por onde sempre passámos e para as coisas em que sempre tocámos.

A viagem provoca o desejo do registo que pode ser revelado através do desenho, resultado natural de uma particular predisposição, perante a ideia de descoberta.

João Catarino
Texto para vídeo 5 minutos de Desenho
FBAUL, Lisboa, Julho 2020-06-21
Desenhos, imagem e locução: João Catarino
Excertos de desenhos em cadernos de viagem entre 2015 e 2020

Bibliografia:

David Bohm, Sobre la creatividad, Barcelona, 2001.
Eduardo Salavisa, Diários de Viagem-desenhos do quotidiano, Lisboa, 2008.
Eduardo Salavisa, Diários de Viagem 2-desenhadores-viajantes, Lisboa, 2014.
Philip Cabau, Crús e Descosidos. Reflexões em Torno do Ensino do Desenho na Antropologia, Cadernos de Arte e Antropologia, Lisboa 2016.
Philip Cabau, Desenho Etnográfico um curso breve duas vezes, Lisboa, 2017.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”