Desenho com luz e transmutação
A partir de meados da segunda metade do século XX, o espaço da ação do desenho modificou-se e, em especial, na década de 1970, alguns artistas desenvolveram práticas que colocaram novos desafios em termos de pensamento e perceção, movendo-se numa oscilação entre as duas e as três dimensões. No campo do desenho emergiram várias linhas de experimentação, que contribuíram para a ideia de transposição, transmissão e hibridação, que hoje vemos presente no seu campo e que nos fez repensar as suas definições. Algumas dessas práticas desenvolveram um trabalho com luz, em que o desenho se forma conceptualmente no espaço tridimensional, constituindo um desafio à perceção das obras, em muitos casos, instalações de grande escala. Estas, além das pertinentes interpelações que suscitam em relação à ontologia do desenho, colocaram também o espectador a olhar para si próprio, ou a sentir-se a olhar. Pelas particularidades do meio empregue – a luz – estas obras alteraram as condições de perceção e receção. Exemplos, as práticas de artistas como Anthony McCall (1946-), James Turrell (1943-), Adam Baker-Mill (1940-), Olafur Eliasson (1967-), entre outros. Relativamente às condições de perceção, ao utilizar a luz para desenhar no espaço estas criações podem suscitar situações visuais aparentes, até misteriosas, ou conduzir a situações de sublimação, aspetos fascinantes que nos atraem no trabalho destes artistas. Por isso, e pelas interrogações que este processo convoca a respeito do desenho, para esta intervenção de cinco minutos, tomamos por escopo o tema do desenho com luz e transmutação.
Além da investigação teórica em curso, partimos de um projeto pessoal, uma prática experimental que interroga a natureza do desenho e as relações com o pensamento, a perceção e a fisicalidade do processo. Iniciado com Infinite Space, 2015-2018, o projeto teve vários desdobramentos (entre outros, Black Hole Colours, 2019, ou Play, 2020, sendo este o que serviu de suporte ao vídeo de 5 minutos de desenho). É um trabalho que não utiliza os meios tradicionais de desenho, e que explora a luz como meio de operar a ação de desenhar. Com a luz, desenha-se sobre a materialidade de objetos interpostos no espaço, explorando desdobras do pensamento e do material. Assim, emerge uma forma conceptual de desenho no cruzamento entre o bidimensional e o tridimensional, que se revela numa inusitada materialização derivada das particularidades que o meio oferece, no caso, a luz.
Da mesma forma como se utiliza o lápis, exercendo mais ou menos pressão para acentuar, saturar ou atenuar as marcas, exploram-se os efeitos de proximidade e afastamento da fonte de luz em relação ao objeto, a sua inclinação e ângulo de incidência, para produzir diferenças de tonalidade, sombras e volumes, linhas e planos, os quais fazem revelar o desenho. Em paralelo, o processo de registo que condensa o desenho numa nova materialidade, age sobre a visualidade pela capacidade de interseção e focagem da luz. Estas duas operações tornam-se possíveis pela agência do corpo total – físico e mental –, na tomada de decisões, evidenciando o sentido háptico, que é, no desenho, uma das suas características distintivas. No conjunto criam-se visualidades aparentes que transmutam a identidade da forma original.
Além de instrumento para pensar, o desenho com luz, construído visualmente no espaço, transubstancia-se numa atmosfera de planos, volumes, geometrias. Traduzido numa escrita de luz e de sombra, o desenho proporciona uma experiência sensitiva de sublimação, capaz de ultrapassar a dimensão da matéria, aspeto fascinante, que constitui um desafio à perceção, e modifica a experiência do olhar. Por fim, adquire uma nova materialidade numérica, definida por zeros e uns, que utilizamos nos vários dispositivos de armazenamento, visualização ou projeção, que o preserva e dá a ver, numa ampliação (zoom) infinita, tal como a possibilidade revelada no vídeo “5 minutos de desenho”.
ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”