“Story Of An Artist Growing Old”
O vídeo “Story Of An Artist Growing Old”, exprimindo simultaneamente as preocupações do meu projeto de investigação e o contexto atual de reclusão, procura protagonizar um elogio à viagem dita sedentária (Castro, 2013), um elogio às infinitas viagens interiores que estão à nossa disposição. Na ponta dos dedos, procurando ou fugindo, as deambulações íntimas e imaginárias possibilitadas pela fruição, inserção e (re)criação de produtos artísticos.
As ficções, nossas e de outros, abertas a cada virar de página. Ao alcance de qualquer um, a expedição por novos futuros, passados e presentes, que talvez já fossem conhecidos ou totalmente ignorados. De qualquer forma, um mágico sair de si, virtual, extracorpóreo, afastado das restrições quotidianas, físicas, sociais e capitais das experiências reais, que nos preenche, adiciona e altera, por vezes, de forma verdadeira.
Observando os nossos quartos/casas é possível dizer que uma parte dos objetos que decidimos não deitar fora e guardar, que escolhemos para nos rodear, como livros, dvds, desenhos ou fotografias são símbolos ou tokens de um espaço de intervalo, agentes de mediação, que como nos diz Ana Margarida Alves, sobre a heterotopia na obra de arte, se situam: “entre dois mundos: entre a nossa realidade e o que está para lá dela, entre o quotidiano e o artístico, entre o real e o utópico (…) justapondo diferentes dimensões” (2013, p.264).
O vídeo é também um registo digital do aspeto material e palpável da cultura, qualidade (ou defeito) que é cada vez mais escassa com a crescente digitalização dos produtos artísticos e do seu consumo. Uma desmaterialização, quase totalitária, da autoexpressão e do eu expandido que, hoje, vivem, maioritariamente, através da partilha e publicação virtual, na criação de páginas/blogs de interesses nas várias redes sociais.
Um processo de transferência, de efeitos ainda inconclusivos, que é documentada, por exempo, por Russel W. Belk no seu ensaio “Extended Self in a Digital Worl” (2013) que argumenta que esta mudança de paradigma produz as melhores probabilidades, mas também as piores consequências.
O ensaio fílmico “Story Of An Artist Growing Old”, dá importância àquilo que escolhemos para nos revestir, ao claro impulso humano de personalizar o seu ambiente, uma necessidade de significação do que, de outro modo, seria vazio. Um impulso que é expresso tanto por uma estante sobrelotada de referências, de autores e obras que se misturam, tocam e acompanham, numa organização livre e ocasional, assim como pelo próprio desejo, mais primário, de Desenhar.
Das duas formas, exercemos controlo sobre um dado espaço, um espaço que passa a ser só nosso, um espaço em qual trabalhamos e que serve para nos trabalhar. Lutamos contra a desolação do vazio e exercemos a liberdade de imprimir uma narrativa pessoal, individual, de conjugação entre íntimo e o publico. Por isso, o clip realizado não mostra apenas um lugar, mas o que este pode fomentar e apresentada uma seleção de obras que, na sua abrangência, expressa o meu trabalho de desenho dos últimos cinco anos. Tentando imitar o olhar que se afasta e aproxima, focando momentaneamente pontos de interesse, a lente periclitante discorre sobre um conjunto de retratos que, num jogo gráfico e semântico com a palavra escrita, constroem um universo emocional. Um universo de diversos estados: dúvida, fragilidade, negação, introspeção, autoconfiança, segurança, autodefinição, etc,
vividos por jovens personagens, que espelham a ambivalência emocional característica do fim da juventude e da chegada à idade adulta.
Tentando projetar esta ambivalência e complexificando a leitura do vídeo, as imagens são acompanhadas pela música “Story of an Artist”, composta por Daniel Johnston e executada por mim. Manifestando a existências de duas vozes, a canção entrelaça as duas consciências antagónicas que, alternando entre si, fazem parte da narrativa do jovem artista. Se, por um lado, as imagens se afirmam como um enaltecer dos poderes e conhecimentos dados pela fruição e produção artística, por outro, o seu acompanhamento musical desfere um golpe, quase irónico, quase devastador, a este elogio – permeando de dúvida todo o ensaio, com a constatação avassaladora, latente em quem à arte se dedica: “Some will try for fame and glory, other aren’t so bold…”
Referências Bibliográficas
Belk, Russel W. (2013) – Extended Self in a Digital World Author(s). In Journal of Consumer Research, Vol. 40, No. 3 (October), pp. 477-500. Chicago: The University of Chicago Press. Link: http://www.jstor.org/stable/10.1086/671052 (acedido a 19/01/2021).
Alves, Ana Margarida Duarte Brito (2013) – Estratégias de Deslocação. Espaço e Utopia na Arte Contemporânea. In Arte & Utopia, 263-270. Lisboa, Portugal: CHAIA – Centro de História de Arte e Investigação Artística.
Castro, Maria João (2013) – Elogio da Sedentarização na Viagem Contemporânea. In Arte & Utopia, 211-220. Lisboa, Portugal: CHAIA – Centro de História de Arte e Investigação Artística.
Cecília Corujo (Aveiro, 1990) vive e trabalha em Lisboa. É doutoranda em Belas-Artes, na FBAUL e bolseira de investigação da Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT). É Mestre em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2015), instituição onde concluiu a licenciatura em 2012.
Outras referências
Rebecca Solnit, Recollections of Non-existance, 2020
Sue Tate, Pauline Boty: pop artist an woman, 2013
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www.ceciliacorujo.com / ceciliacorujo4@gmail.com / 915125022