Diário de Viagem | Costa do Marfim
A viagem à Costa do Marfim acontece na sequência de muitos anos de trabalho conjunto com os Missionários da Consolata.
A ideia da missão e dos missionários era, antes disso, uma coisa fugaz e cheia de ideias prévias. Foi duro descobrir a utilidade do desenho em territórios tão longínquos. Mais fácil foi entender o que os missionários faziam nestas aldeias onde o tempo parece não passar. Assim, ir a uma qualquer missão deste tipo é sempre uma viagem ao desconhecido e ao encontro de uma verdade autêntica. Nunca é turismo a locais históricos, mas a possibilidade de nos encontrarmos verdadeiramente com as pessoas.
Marandallah é o nome da aldeia onde desenhámos durante quase um mês e a questão que resume tudo é o tempo. Há que tê-lo para conseguirmos fazer qualquer coisa. Queremo-lo tanto que o compraríamos se pudéssemos, mesmo sabendo que é uma dádiva tão humilde e generosa que desafia a nossa sabedoria no modo como o usamos. O desenho tem-nos ensinado como o tempo é precioso. Não vale a pena correr contra ele, mas deixarmo-nos adentrar e perder nele, apreciando a aparente pausa a enriquecer o olhar.
Esta viagem aconteceu no tempo certo. Aquele em que o desenho exige a pausa do momento. Saber parar para desenhar. Saber escolher o que desenhar e, mais importante que tudo, deixar que o desenho possa ser contaminado pela novidade de uma realidade tão diferente e entusiasmante, exigindo, por isso mesmo, um olhar renovado, despido de ideias velhas, à procura de crescer com o ancestral e o contemporâneo.
Nunca se passaria tanto tempo a conversar com uma pessoa desconhecida do interior remoto da Costa do Marfim se não fosse pelo desenho. Este é, definitivamente, um novo modo de relação com as pessoas, de as conhecermos melhor e nos sentirmos próximos. Há um sentimento muito forte que nos assalta em aldeias tão distantes como esta. É inevitável pensar que “eu podia ter nascido aqui. Este também é o meu mundo.”
Desenhar na África Negra é, inevitavelmente, um encontro com a essência do ser humano, com o estado mais puro e desprendido que alguma vez conseguimos ter. É a sensação de marcar a história pessoal com as palavras que estão por inventar.
Ketta Linhares
Sou timorense e meço 1,51m. Em 1982, quando nasci, ficámos 6 irmãos. Hoje somos 8 filhos da mesma mãe e do mesmo pai. Sou casada com o Mário, o meu melhor amigo e companheiro de todas as viagens. Enquanto estudava no secundário desejava ser escultora ou pintora. Infelizmente não me foi possibilitado seguir nenhuma área artística. Licenciei-me em Estudos Africanos – História e Desenvolvimento pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, depois de ter escutado testemunhos de Missionários e Missionárias da Consolata falarem sobre o continente africano com um brilho nos olhos inexplicável. A minha viagem ao Quénia consolidou a minha nova paixão. Foi a minha primeira vez em África. Voltava a tirar o mesmo curso. Voltava ao Quénia novamente.
Mário Linhares
Estudou na António Arroio, licenciou-se em Design Paisagístico e depois em Design de Equipamento. Trabalhou nessas áreas, mas rapidamente a sua paixão de infância falou mais alto e dedicou-se ao Desenho. Mestre em Ensino das Artes Visuais, está a terminar o Doutoramento em Desenho na FBAUL. Desenha compulsivamente e idealiza, sem parar, projetos artísticos e humanitários. É casado, tem um filho, gosta de andar a pé e de bicicleta e de conversar com os amigos. Professor, co-fundador dos Urban Sketchers Portugal, foi diretor de educação dos USk e lidera atualmente vários projetos artísticos e sociais como os 5 Minutos de Desenho; USk Research; USkTalks; Sketch Tour Portugal Reload; Zambujal 360.
Co-autor do livro Diário de Viagem | Costa do Marfim, premiado em França, contribui com desenhos para diferentes livros, exposições, palestras ou conferências em Portugal e no estrangeiro. Viajar, sonhar e desenhar é o que mais gosta de fazer.Blog | USk | USkP | Instagram | Linkedin