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Sebastião Castelo Lopes

Se calhar


Se calhar o mais importante é a pergunta.
Nuvens ameaçadoras / e ainda estou / a meio caminho de Quioto (Matsuo Bashô, O eremita viajante, p.131)

As respostas são inequívocas, são claras, são tinta branca sobre carvão. Mas as perguntas são bem mais complexas. São dois minutos e cinquenta segundos de pergunta, quatrocentos e trinta e seis virgula três mega bites. São as questões que interessam, que podem ser quaisquer umas. Neste caso foram estas. São questões sem resposta às quais não pretendemos responder. Melhor, são questões que não sabemos sem têm resposta, o que é diferente. os pássaros deixaram-me sem corpo e a metafísica questionava o destino da minha identidade. para onde iria, o que seria de mim depois que o meu corpo me deixasse sozinho, o que seria de
mim depois da morte. (Valter Hugo Mãe, a maquina de fazer espanhóis , p.207)

Esta peça re-sublinha as perguntas já tantas vezes escritas. Não faz mais nada senão sublinhar. Não estamos cá para criar, mas para repetir. Uma nuvem quem vem até nós, é neblina. Não contribui para a compreensão, mas é, e por consequência, é parte do que há a ser compreendido. O que escrevemos já foi escrito. Exercitar a pergunta, porque onde estão as respostas às perguntas não colocadas? Esta música / é linda / mas não anula / o sofrimento / não traz de volta / à vida / aqueles que amei / e que já morreram (Adília Lopes, Dias e Dias, p.11)

Passar o dia só a perguntar. Passar o dia a perguntar. E isto são parágrafos sobre perguntas. Que não iluminam as respostas mas que perguntam sobre as perguntas. Porque responder seria destruir a peça, e o texto da peça não a destrói, não é? A invenção do navio foi também a invenção do naufrágio (Paul Virilio) Na cruz da minha grade desenrola-se outra espécie de paixão: nela coexistem e caminham inquietações, dúvidas, fragmentos de crenças, pequenas satisfações, ilusões de conquistas, projetos irrealizados ou desviados, surpresas, charadas enfim, tudo o que, na melhor das hipóteses, nos aproximará dessa carne enigmática de que são feitos uma pedra, uma palha, a brisa, quando entram em relação com a curiosidade e a disponibilidade de alguém que contempla (Júlio Pomar, Da cegueira dos pintores, p.16)

Mas e se a resposta é importante? Se quem diz que não interessa se é desenho ou pintura estiver enganado? Tantas estrelas !… Para quê? / Para complicar de beleza / este mistério tão fácil, / mas que os
homens não descobrem / nem nunca descobrirão, / porque somos secundários / na criação. (José Gomes Ferreira, Poesia III, p.45) desenhando sobrancelhas / no cão branco – / um dia longo (Kobayashi Issa, Os Animais) Para quê perguntar?


Se Calhar por Sebastião Castelo Lopes
Voz por Maria Reis Texto de ProfJam em Se Calhar do album FFFFFF —————

Sebastião Castelo Lopes (b.1994)

2016 – MA Drawing, Wimbledon College of Arts, University of the Arts London, UK
2015 – Licenciatura em Desenho, Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa
Presente nas coleções: Fundação Millennium BCP, Budapesti Torténeti
Múzeum – Budapest History Museum, Colecção Municipal de Loures.

Bibliografia
Bashô, M (2019) O eremita viajante, Assírio & Alvim, Porto Gomes Ferreira, J (n.a.)

Poesia III, Círculo de Leitores, Barcelona Hugo Mãe, V (2019) A máquina de fazer espanhóis, Porto Editora,

Porto Issa, K (2019) Os animais, Assírio & Alvim, Porto Lopes, A (2020) Dias e Dias, Assírio & Alvim, Porto

Pomar, J (2014) Da Cegueira dos Pintores Parte escrita II, Documenta, Lisboa