Trama – Desenhos Soltos
Entre os trabalhos de ilustração sempre tive folhas de papel por perto onde fui experimentando e registando diferentes figurações, materiais, temas e inquietações que surgiam e surgem diariamente. Desenhava sem programa, às vezes como quem passeava pelo seu bairro, outras com quem explorava territórios desconhecidos, outras ainda em que me limitava a registar impulsos ou ideias ou a projectar mundos imaginários em folhas avulsas.
Durante muito tempo não liguei muito a estes desenhos que iam surgindo nesses intervalos entre trabalhos. Via-os sobretudo como ensaios de técnicas e registos para depois eventualmente experimentar num livro ou num jornal . Ou como um diário gráfico sob a forma de folhas soltas. O que é certo é que estes desenhos foram-se acumulando, guardados em caixas ou em gavetas. Com o tempo tornaram-se cada vez mais importantes para mim. Pensava neles como os meus trabalhos de casa, ou como uma ida regular ao ginásio, exercícios para manter o desenho em forma. No entanto pareciam já não serem só zona de ensaio para as transformações que de tempos a tempos tenho necessidade de trazer às minhas ilustrações.
A determinada altura tornou-se claro para mim que estes desenhos não eram só esboços e que no conjunto pareciam constituir um corpo autónomo de trabalho. Naqueles intervalos, que valorizava cada vez mais, tinha surgido um espaço onde a minha prática de desenho ganhava autonomia sobre a ideia de reprodução, sobre a dimensão projectual das imagens e explorava territórios que escapavam ao âmbito do trabalho de ilustração. Eram desenhos mais directos, feitos sem rede, mais espontâneos, que não escondiam as suas falhas, hesitações, certezas e incertezas. Cheios de imperfeições que me fascinavam. Eram também desenhos feitos sempre no atelier, imaginados ou de memória, raramente de observação directa. E também eram mais pessoais e intuitivos por oposição ao diálogo implícito na ilustração.
João Fazenda (1979, Lisboa) Estudou Artes Gráficas na António Arroio e licenciou-se em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. O seu trabalho parte do desenho para explorar várias das suas possibilidades enquanto motor de criação de imagens, passando pela ilustração, cinema de animação, banda desenhada e pintura. Trabalha regularmente como ilustrador para a imprensa desde 2000 assinando ilustrações para diversas publicações nacionais e internacionais. Actualmente colabora regularmente com a New Yorker, The New York Times e a Visão. Deu aulas de ilustração no Ar.Co e é hoje professor de ilustração na FBAUL.
Assinou livros de banda desenhada, ilustrou muitos outros, desenhou capas de discos, cartazes de cinema e campanhas institucionais. Realizou os filmes de animação “Café” em parceria com Alex Gozblau, “Algo Importante” e “Sem Querer”, ambos com argumento de João Paulo Cotrim, e “Mesa”, apresentado em 2020. No mesmo ano estreou no Teatro Luís de Camões o espectáculo da sua autoria “Grande Estrondo”, onde mistura desenho ao vivo e manipulação de imagens e sombras projectadas, dando continuidade ao trabalho desenvolvido com o espectáculo “Retrato Falado”, criado com Pedro da Silva Martins e estreado em 2014 no Teatro Maria Matos em Lisboa. Dos vários prémios que o seu trabalho recebeu destacam-se o Prémio de Ilustração BIG -Bienal de Ilustração de Guimarães em 2018, Prémio Nacional de Ilustração 2015, o World Illustration Award atribuído pelo Association of illustrators (UK) e pelo Directory of Illustration(USA) na categoria de ilustração para livros em 2017, o Grande Prémio Stuart-El Corte Inglês de Desenho de Imprensa 2007 e o Prémio António Gaio- Melhor filme de animação Português no Festival Cinanima para o filme “ Sem Querer” em 2011.
Foi ainda várias vezes distinguido pela Society of Illustrators NY, Society of News Design, 3X3 Proshow, Communication Arts e American Illustration.
Participou em diversas exposições colectivas e individuais um pouco por todo o mundo.
Actualmente vive e trabalha em Lisboa depois de uma década a viver em Londres.
www.joaofazenda.com