Categorias
8 Julho 2020

João Catarino

Perder o Norte
uma viagem pelo desenho

Perder o norte, recolher, submergir, desacelerar.
A floresta proporciona um contacto imersivo.

O desenho torna o ato de observar mais profundo, melhora a sua qualidade. Se fosse um objeto; seria um objeto útil à observação.

Pelo desenho talvez consiga conjugar a relação entre a mente e a mão, e também entre a sensibilidade e a razão.

A liberdade de escolhas nos percursos que optamos revelar e não revelar, permitindo e negando a visão do objecto ou do espaço, numa interpretação livre, que contempla diferentes possibilidades de percepção.

É nessa relação tátil que se estabelece um contacto direto, imersivo, com as formas, com as sombras e com a luz.

Os cadernos de desenhos podem ser o dispositivo de contacto entre o desenhador e o que é observado.

… consequentemente, constituem a prova desse contacto
que testemunha a presença do desenhador perante o espaço.

Isso pode levar-nos a uma permanente descoberta e também à permanente ideia de viagem pelo desenho.

Essa interação emocional complexa, que a mente e a mão estabelecem com o espaço, de forma fragmentada e descontínua, repleta de partidas e chegadas, parece ordenar-se na própria anatomia do caderno, uma plataforma sólida com um princípio e um fim.

A natureza dos desenhos em cadernos não assenta na ideia de projeto. Provavelmente numa consciência de carácter autoral. A sua intenção reside no próprio ato de desenhar, nessa profundidade e na intimidade da relação com o que observamos.

O ato de desenhar, a partir da observação, pode constituir, em si mesmo, a ideia da percepção real, aquela que corresponde a uma predisposição para com a descoberta.

Nesse sentido, o ato de desenhar, aproxima-nos da ideia de viagem.

Isso talvez nos leve a crer que viajar não implica necessariamente ter de partir.

O desenho pode encurtar distâncias, através dele, somos também convidados a olhar para o que está próximo, para os lugares por onde sempre passámos e para as coisas em que sempre tocámos.

A viagem provoca o desejo do registo que pode ser revelado através do desenho, resultado natural de uma particular predisposição, perante a ideia de descoberta.

João Catarino
Texto para vídeo 5 minutos de Desenho
FBAUL, Lisboa, Julho 2020-06-21
Desenhos, imagem e locução: João Catarino
Excertos de desenhos em cadernos de viagem entre 2015 e 2020

Bibliografia:

David Bohm, Sobre la creatividad, Barcelona, 2001.
Eduardo Salavisa, Diários de Viagem-desenhos do quotidiano, Lisboa, 2008.
Eduardo Salavisa, Diários de Viagem 2-desenhadores-viajantes, Lisboa, 2014.
Philip Cabau, Crús e Descosidos. Reflexões em Torno do Ensino do Desenho na Antropologia, Cadernos de Arte e Antropologia, Lisboa 2016.
Philip Cabau, Desenho Etnográfico um curso breve duas vezes, Lisboa, 2017.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
7 Julho 2020

Fred Lynch

Drawing from Experience

from The Common, the Literary Journal of Amherst College, Amherst, Massachusetts, USA

by Fred Lynch, associate professor, Rhode Island School of Design (RISD), Providence, Rhode Island, USA

Abstract: This article reflects on a decade of drawing and discovery in and around the overlooked city of Viterbo in Central Italy. Following in the footsteps of the Grand Tour masters, this artist walked away from a monastic life of the studio to engage with issues of place and experience—looking outward rather than inward—and bearing witness to the foreign. While drawing can be a mirror to the brain, it can also be a window to the world. Onsite drawing is extrasensory, engaging smell, sound, and touch along with other inspirations and a host of distractions. It is an art of reaction, as well as action, as it questions issues of interpretation versus documentation. We are also introduced to the British slang term “coddiwomple,” meaning “to travel in a purposeful manner towards a vague destination,” a worthy definition for drawing in itself.

https://www.thecommononline.org/drawing-from-experience/

Bio:

Fred Lynch lives outside of Boston and is a professor of illustration at Rhode Islan School of Design (his alma mater) where he has taught visual communication classes for over thirty years and has won distinguished teaching awards. Fred also teaches a college course in Journalistic Drawing in Italy each July. Beyond teaching, he’s an illustrator, artist and active sketcher, posting regularly on the Urban Sketchers Blog. His work is being featured in a growing number of books about sketching and in magazines, as well as exhibits. This year, Fred was featured on the Travel Channel and in the French graphic journalism magazine, XXI Revue.

Website: FredLynch.com

Blog: FredLynch.tumbler.com

Teaching Blog: pictureitfredlynch.wordpress.com

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
6 Julho 2020

Manuel San Payo

Diário Gráfico. Nulla Dies Sine Linea

Nulla Dies Sine Linea Apeles (Plíneo) “regardez ma vie, lisez mon journal à travers mon oeuvre” / Je suis mon Cahier Pablo
Picasso

O meu primeiro diário gráfico é de 1982 (mais precisamente, e segundo a primeira entrada inscrita, dia 11 de Novembro). Começou após o meu ingresso na então Escola Superior de Belas-Artes, a actual Faculdade de Belas-Artes, onde agora trabalho como professor auxiliar na área de Desenho.

A prática da manutenção de um diário gráfico era-nos entusiasticamente sugerida pelo professor escultor Lagoa Henriques, na sua quase lendária aula de Comunicação Visual. Era uma espécie de imersão iniciática no mundo das artes visuais, que abordava temas tão vastos que iam das artes do espectáculo ao cinema, passando pela pintura, a escultura, a arquitectura, a televisão e, claro está, subjacente a todas estas expressões, a presença do desenho.

O diário gráfico funcionava como o nosso fiel caderno de notas ou apontamentos de assuntos ou temas tratados em aula, mas fazia a ligação com a vida extra-muros, o treino para uma atenção ou focagem em assuntos de interesse artístico observados no dia-a-dia. Nesse sentido, o caderno ou diário gráfico, muito característico do estudante das belas-artes (e diferente das sebentas das demais instituições de ensino superior) era um laboratório de registo e experimentações diversificadas e de descobertas variadas, de registos gráficos: Escrita, colagem, desenho, pintura, e o mais que ocorresse. Este caderno seguia um certo modelo ou moda associados a um tipo específico de artista/intelectual, ainda herdeiro do flâneur/boémio baudelairiano e modernista:

O diário gráfico usa-se para a prática duma espécie de “higiene” diária ou “Gymnaseion” de desenho que é considerado a base fundamental das linguagens ou expressões plásticas. É também um suporte, prático, e de fácil acesso para o registo rápido de esboços ou ideias (rapidez essa em boa parte explicada pela simplicidade e escassez de meios envolvidos).

O desenho num diário gráfico revela normalmente uma linguagem que se afigura, precisamente por essa razão, das mais próximas daquilo que consideramos serem as ideias, e foi por isso adoptado por correntes mais ou menos idealistas e românticas que cultivavam o esquisso, o esboço incompleto ou inacabado, com todas as suas falhas e arrependimentos. O desenho é precisamente considerado como dos registos mais “honestos”, por vezes mesmo contra a vontade ou as intenções do próprio autor. Este é o lado pedagógico e de auto-aprendizagem que a utilização continuada de um diário gráfico nos permite ao longo da vida. Outro aspecto a considerar é o que se prende com a própria existência: o diário gráfico é um modo de registo e aferição do tempo.

Podemos ver nele, também, um objecto com uma carga metafórica mais ou menos implícita: Apresenta-se tipicamente como um pequeno livro de bolso (da família do codex). Como qualquer livro, é uma colecção de cadernos, que são por sua vez folhas de papel dobradas e ligadas por um sistema que as transforma em páginas. As páginas têm frente e verso, podem ser lisas ou pautadas. Por estarem solidariamente presas, têm de ser viradas, mudadas. Este virar da página cria sequências, com todas as possíveis formas e sentidos de leitura e associações. Seja como for, este modelo ou formato implica a interrupção, mas também a ligação e a elipse, em unidades que sugerem quadros, ocupando frente, verso e página dupla. Um diário gráfico raramente se concebe na forma da espiral ou rolo, ou seja, em modo contínuo. Por isso apresenta um registo que se apoia no fragmento e não tanto num continuum espacio/temporal.

As páginas ou as folhas de um diário gráfico são momentos, fragmentos roubados ao fio do tempo e congelados numa imagem. Estas colecções, mais ou menos extensas, convidam-nos à criação de sequências narrativas.

Vejam-se algumas frases de Pablo Picasso a propósito dos diários gráficos: (…) regardez ma vie, lisez mon journal à travers mon oeuvre, por exemplo, que sublinha o carácter auto-biográfico implícito no diário de um artista, em que o suporte se torna quase irrelevante ou pouco importante. Ou outra, título de uma publicação do artista precisamente sobre os seus diários: Je suis mon cahier em que suis, em língua francesa, tem o duplo sentido de “sou” e “sigo”, ou seja, traduzindo: “eu sou o meu caderno” e “eu sigo o meu caderno”.

Olhando para o passado através dos registos feitos nos diários gráficos, podemos, para além da nostalgia que tal poderá porventura despertar, verificar quanto a passagem do tempo nos moldou e mudou as ideias e o modo como as expressámos graficamente e lhes fomos mais ou menos sensíveis. Mas permite igualmente verificar constâncias e repetições, pequenas e grandes manias, obsessões que também nos definem e caracterizam enquanto artistas, identificando um estilo.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
Sem categoria

Team

Coordenação científica / Scientific coordination

Manuel San Payo, Ph.D.
Membro integrado do CIEBA/FBAUL
Integrated member of the CIEBA/FBAUL

Américo Marcelino, Ph.D.
Membro integrado do CIEBA/FBAUL
Integrated member of the CIEBA/FBAUL

Artur Ramos, Ph.D.
Membro integrado do CIEBA/FBAUL
Integrated member of the CIEBA/FBAUL

Domingos Rego, Ph.D.
Membro integrado do CIEBA/FBAUL
Integrated member of the CIEBA/FBAUL

Organização e comissão executiva / Organization and executive committee

Beatriz Manteigas, doutoranda, Ph.D. Student
Investigadora colaboradora do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Dilar Pereira, doutoranda, Ph.D. Student
Investigadora colaboradora do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Gabriela Torres, doutoranda, Ph.D. Student
Investigadora colaboradora do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Grazielle Portella, doutoranda, Ph.D. Student
Investigadora colaboradora do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Hugo Passarinho, doutorando, Ph.D. Student
Investigador colaborador do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Mário Linhares, doutorando, Ph.D. Student
Investigador colaborador do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Sandra Ramos, doutoranda, Ph.D. Student
Investigadora colaboradora do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Past Members:

Jorge Leal, Ph.D.
Investigador colaborador do CIEBA/FBAUL
Research member at CIEBA/FBAUL

Comissão científica / Scientific committee
Divulgado brevemente / Coming soon

Apoio operacional / Tech support
Gabinete de Comunicação, Imagem e Inovação da FBAUL

Apoio Institucional / Institutional support

Categorias
5 Junho 2020

Dipali Gupta

Vibrator Drawings

Desire Lines and Pages from The Book of Spring
My current project is called ‘Desire Lines and Pages from the book of Spring’ which explores contemporary perceptions of female sexuality and female sexual pleasure. ‘Desires Lines’ is an architectural term, usually used to describe trampled paths that deviate from the pre-planned urban design.
Similar to urban planning, in the context of female sexuality, desire lines can be considered as solutions that ingeniously navigate the terrain of social, political and religious norms and subvert biopolitical perceptions of female sexual pleasure.

In my work, I employ a combination of artistic interventions, and performative drawing processes.

I assemblage with electro mechanical devices associated with sex, desire and pleasure, infamously known as sex toys to create drawings reminiscent to action paintings. Action paintings are known to express the subconscious. Here, the subconscious is that of the assemblage – the gadget and the artist’s body and the marks on the surface, an impression of desires arising, not from a lack but in a hope of creating new interventions.

The marks look alien and machine like. To me they are a disintegration of heterosexual binaries which also challenge the very materiality and functions of a sex toy.
Chance is an important aspect in this work. I associate this chance to partial identities of women. After all isn’t contemporary life an experiment with new found desires which we recreate, regenerate and re-define, always becoming and never arriving.
It is an odd coupling, this assemblage and its by product is a bastardised drawing. Sort of a monstrous attempt to not confer to set boundaries but over-cross and rejoice in this illegitimate fusion of human and machine.

I am A big fan of Donna Haraway and so I quote her from the cyborg manifesto, “Only by being out of place could we take intense pleasure in machines, and then with excuses that this was an organic activity after all, appropriate to females”

‘Pages from the Book of Spring’ is a version of ‘Desire Lines’ in which I fuse the abstract vibrator drawings with historical erotica. In this case the Japanese Shunga from the Edo and Meiji Period in Japan.

The Shunga mainly depicted heterosexual relationships and the lives of the emerging middle class during the 17th -19th century. The ancient collection of books, scrolls and prints are filled with middle class male fantasies that acted not only as an escape from the dreariness of everyday life but also succeeded in eroticizing and normalizing the act of sex.

In my drawings, I explore different aspects of this early eastern pornography and re-interpret its imagery through a feminine assemblage of body and machine.

I incorporate these far off cultures into my work as I find the learning interesting and stimulating. I call them ‘half learnings’ which allow me to decipher what I know from my own culture and what I acquire from a learnt experience.

Whilst retaining some of its historical aesthetics, I push the boundaries by using unconventional tools, mediums and half abstract forms. The black ink vibrator marks representing female sexual desire and the body, are created with the help of household implements. I use kitchen scrubbers, sponge cleaners and bath loofah that also signify but at the same time reject feminine ideologies of domestication and the private in a very unique way.

The physical body in this work does not have its usual form and structure. This eliminates its sexual signifiers and further challenges the notions of the male gaze. Also the female objectifier has now metamorphed into a female/assemblage female/ artist binary purging its usual signifier.

My drawings deconstruct historical ideas of eroticism, objectification and sensuality that were the foundations of the act of sex which ultimately subjugated female sexuality.
Through my art, I attempt to reclaim a space for female sexual desires by way of the assemblaging cyborg and regenerating history from an alternative standpoint.

Special thanks to L’AiR Arts Paris.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
4 Junho 2020

Jaro Jakovlev

5 minutes is enough… to kill

It is about my favorite technique of speed sketching, that I teach every course inside Kharkiv School of architecture and outside to kill critical thinking, over-expectations and fear of mistakes.

What has this done for me at first?
Well, at the beginning my life just forgot about the “right things”. I was trying to catch a lot of slides that the tutor at the workshop was showing to us. I saw ‘general lines’, first stroke, spot, composition, how to draw with a continuous line. My right side of the brain had started its engine.

Now I show each student a sequence of black and white pictures and ask them to turn off their own critic, who’s begging for perfection and similarity. We work fast, less than a minute, changing materials and instruments. Mostly they use pens with 0,35 liner, grey markers and aqua brush with black ink.
We shout, laugh, I speak fast while demonstrating giving small clues to draw and all this looks like a battle.

I teach how to sketch in minimal, without thinking, on reflexes, to see at first, further to catch, building frames, switching between instruments and scales. This helps to pin your flying idea from your head. This will help your hand to think faster than words in the head. This is close to meditation. I admire this much.

Jaro Jakovlev
Architect, urban designer, sketcher.
Born in Ukraine, worked in local architecture bureau, freelanced as a graphic artist, was an art resident in Ireland, Hungary, staged in Swiss city administration, has a startup in the creative industry, set up an urban company which works on a large scale (oblast, state, foreign relations). Run USk Kharkiv with the architectural core members, participated in Chicago and Porto symposiums.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
3 Junho 2020

Artur Ramos

Auto-Retratos e Consolação

Aceitando o convite para falar durante 5 minutos sobre um tema do desenho que tenha investigado, decidi debruçar-me sobre o auto-retrato não na perspetiva de um desenho executado pontualmente num momento da nossa vida, mas sim na experiência acumulada de vários auto-retratos feitos ao longo da vida.

O auto-retrato, ao contrário do retrato do outro, é um terreno propício à experimentação e alteração da aparência da fisionomia assim como das regras de decoro. (imagens) No auto-retrato a manipulação da aparência através do grafismo ou da alteração, exclusão ou acentuação de diversos aspetos fisionómicos ocorre com mais liberdade e imaginação. Bachelard no seu livro A Água e os Sonhos a propósito da história de Narciso, fala da dimensão naturalizante que o espelho de água dá ao nosso reflexo.

E a ideia é, assim como a agitação da água devolve uma imagem mais poética e menos geometrizante que a fria imagem de um espelho de vidro, também pelo próprio desenho, e pela vontade de mexer nos traços do rosto, conseguimos anicharmo-nos na nossa íntima contemplação com um orgulho inocente e natural que depende da nossa imaginação. O nosso rosto reconstrói-se lentamente na materialidade do desenho, dos seus materiais, tons e cores para encontrar a sublimação numa ideia ou num ideal. Assim, em algo de novo que os traços do desenho trazem, encontramos o sossego de poder dizer que não me vejo tal como sou, mas sim sou tal como me vejo.

No auto-retrato tirado do natural os olhos e o olhar fazem-nos prisioneiros da nossa vontade de querermos ser tal como nos vemos.

E é essa vontade que prepara os olhos para encontrar o que nos orgulha e nos consola. A repetição de auto-retratos desenhados ao longo da vida confronta-nos com a memória dessa procura de ver como queremos ver, de um olhar que em si próprio prepara o que quer dar a ver. O que quis e o que já deu a ver é algo que ocorre em cada auto-retrato. Apesar das alterações do tempo existe um estímulo que desencadeia intensas lembranças do passado que, como uma memória proustiana (ou memória involuntária), evoca tempos que vivemos tão distantes, mas também ainda num agora tão presente.

A amplitude de um certo arco na maçã da face que se repete na asa do nariz, um particular reflexo de luz mais uma vez circunscrito num ponto do olho, as sombras fugidias e ondulantes projetadas sobre a goteira do lábio, o cheiro e a constante sujidade dos materiais ressuscitam singelas lembranças de formas e de experiências, esquecidas no fundo da nossa memória.


Ao desenhar um novo auto-retrato não é o tempo que é redescoberto, mas sim a redescoberta daqueles traços do rosto que intemporais marcam o trajeto da nossa existência acumulada num momento. Assim, lentamente o desenho leva-nos a revivermos as imagens dos antigos auto-retratos e a percebermos não só como existimos num passado duradouro como ainda existimos num presente eterno.
Os auto-retratos transportam esses momentos vividos tão intensamente que um forte prazer nos atravessa e enche de alegria.
Deste modo o auto-retrato confronta-nos com o conhecimento de algo da nossa vida interior e, cumprindo um dos objetivos principais do retrato, com o poder de evocar alguém distante. Mas no caso do auto-retrato, tanto quanto evoca aquele que já viveu a partir do próprio que ainda vive, também o antecipa num futuro evocador sem fim.

Ou seja, uma das formas que temos de ultrapassar a morte, é deixar algo de que ela não nos pode tirar e que é, segundo Vladimir Jankélévitch precisamente o facto de termos vivido e existido.
O facto de termos vivido uma vida efémera feita de momentos pontuais e passageiros, é testemunhado de um modo íntimo e natural pelos auto-retratos desenhados em diversos pontos da nossa vida. Quando os fazemos e os contemplamos percebemos que estamos perante algo de nós que permanece eterno e que nem a morte poderá aniquilar.

Assim, quando desenhamos mais um auto-retrato, quando tentamos alcançar mais uma vez a lógica dos nossos traços, quando lentamente corrigimos o nosso reflexo especular com uma dimensão mais humana e natural com tudo o que o nosso traço permite, estamos mais uma vez ligados às nossas memórias e antecipamos já as memórias de um futuro para além da morte. Sentimos saudade desse futuro antecipadamente vivo, e consolamo-nos com a ideia de que toda a consciência desses momentos vai ecoar na nossa memória.

E é neste sentido que acredito que quanto mais auto-retratos fizermos num maior espaço de tempo, mais a consciência de que vivemos permanecerá como um facto eterno sentido até nos dias mais cinzentos da nossa própria existência.

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
2 Junho 2020

Mário Linhares

no VENTRE do PEIXE

O livro de Jonas é um dos mais pequenos da bíblia, mas sempre inspirou artistas e outros autores desde, pelo menos, a arte das catacumbas. O profeta rebelde terá vivido algures no século VIII a.C., mas calcula-se que o livro tenha sido escrito três séculos mais tarde. Jonas ficou conhecido por ter sido engolido por um grande peixe, passando lá dentro três dias e três noites. Tudo por ter recusado dirigir-se a Nínive, a capital do grande império Assírio. 

Jonas, nome hebraico que significa pomba ( יוֹנָ֥ה | yonah), ficou para sempre ligado a esta história mítico-fantástica de alguém que precisou de um confinamento forçado até ser vomitado – outras traduções possíveis da palavra hebraica ( וַיָּקֵ֥א | wayyāqê) são cuspido ou regurgitado – indicando o tempo certo para voltar a terra firme.

De dentro da barriga do peixe, o autor da narrativa (este sim, desconhecido), atribui a Jonas um cântico/oração que é uma autêntica ode académica. Não havia ainda notas de rodapé, mas ele cita vários Salmos, o livro de Job ou o das Lamentações. Agarra-se a tudo o que lhe é possível para conseguir alicerçar o seu pedido de chegar a território seguro, como que mostrando que não bastam as próprias ideias para se tomar decisões. É preciso procurar as “raízes das montanhas” como ponto de partida. Estará o autor do texto a falar de Jonas ou da sua contemporaneidade?

Na minha investigação em Belas-Artes – Desenho, os textos bíblicos são uma base de trabalho que me colocam a desenhar a partir do sentido do texto e não da sua ilustração. Nesta linha, o vídeo que se apresenta para o evento 5 minutos de Desenho mostra o momento em que é iniciado um desenho da serra de Sintra, feito a lápis de grafite, cerca de trinta minutos antes do pôr do sol e continuado até à ausência completa de luz solar. Com a escuridão, a imagem do desenho desaparece naturalmente e a metáfora de entrar no ventre do peixe estabelece-se pela ausência de luz. Faz-se um parênteses apenas para fazer notar que se encontrem várias traduções para o “ventre” do peixe, utilizando-se por exemplo a palavra “barriga”. No original em hebraico, a raiz da palavra ( מֵעֶה | me’eh) pode também significar partes ou órgãos internos, o que amplia as possibilidades de interpretação para o processo criativo. O que se pode encontrar de visceral no interior da escuridão? 

O vídeo continua até ao amanhecer o que, lentamente, faz o desenho aparecer novamente. Já numa nova folha e usando diretamente a tinta da china pura e diluída com a ajuda de trinchas, pincéis, galhos e aparos, a força da escuridão levou o desenho para uma nova direção. A delicadeza que o lápis de grafite mostrava foi substituída pela rudeza texturada a pincel da tinta da china. 

Jonas decidiu dirigir-se a Társis em vez de Nínive. Apanhou um barco e o mar tumultuou-se ao ponto dele ter de ser atirado ao mar. Foi engolido por um grande peixe. Teve o seu tempo de confinamento visceral, foi regurgitado e, finalmente, percebeu que tinha mesmo de ir a Nínive.

Saber que se tem de percorrer um caminho, mas evitá-lo, parece ser algo que atravessa o nosso ser desde há vários milénios. Talvez desde sempre. Recuperar os textos bíblicos para o ventre do processo artístico nunca me pareceu tão importante e visceral como agora.

Texto narrado no vídeo (Jn 2, 1-11):

O Senhor fez com que ali aparecesse um grande peixe para engolir Jonas; e Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe. Jonas fez esta oração ao Senhor, seu Deus, do ventre do peixe, dizendo:

«Na minha aflição invoquei o Senhor, e Ele ouviu-me.

Clamei a ti do meio da morada dos mortos, e Tu ouviste a minha voz.

Lançaste-me ao abismo, ao seio dos mares, e as correntes das águas envolveram-me.

Todas as tuas vagas e todas as tuas ondas passaram por cima de mim.

E eu já dizia:

‘Fui rejeitado de diante dos teus olhos.

Acaso me será dado ver ainda o teu santo templo?’

As águas me cercaram até ao pescoço,

o abismo envolveu-me,

as algas pegavam-se à minha cabeça;

desci até às raízes das montanhas, até à terra cujos ferrolhos me prendem para sempre.

Mas Tu, Senhor, meu Deus, salvaste a minha lama do sepulcro.

Quando desfalecia a minha alma lembrei-me do Senhor;

a minha oração chegou junto de ti, até ao teu santo templo.

Os que se entregam a ídolos vãos abandonam a sua fidelidade.

Eu, porém, oferecer-te-ei sacrifícios com cânticos de louvor e cumprirei os votos que tiver feito, pois do Senhor vem a salvação.»

Mário Linhares estudou na António Arroio, licenciou-se em Design Paisagístico e depois em Design de Equipamento. Trabalhou nessas áreas, mas rapidamente a sua paixão de infância falou mais alto e dedicou-se ao Desenho. Mestre em Ensino das Artes Visuais, está a terminar o Doutoramento em Desenho na FBAUL. Desenha compulsivamente e idealiza, sem parar, projetos artísticos e humanitários. É casado, tem um filho, gosta de andar a pé e de bicicleta e de conversar com os amigos. Professor, co-fundador dos Urban Sketchers Portugal, foi diretor de educação dos USk e lidera atualmente vários projetos artísticos e sociais como os 5 Minutos de Desenho; USk Research; USkTalks; Sketch Tour Portugal Reload; Zambujal 360.

Co-autor do livro Diário de Viagem | Costa do Marfim, premiado em França, contribui com desenhos para diferentes livros, exposições, palestras ou conferências em Portugal e no estrangeiro. Viajar, sonhar e desenhar é o que mais gosta de fazer.

Blog | USk | USkP | Instagram | Linkedin

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
1 Junho 2020

Jennifer Printz

A Transcript of Attentive Time

In this work, the still second of a bright blue sky is layered with the silver transcript of time and attentiveness from a laborious drawing process. I combine photography and drawing to intentionally play with specific meanings and time structures innate to both media.
In this combination and these works space feels concrete, but is also twisted and uncertain. Poetically on paper, I present the universal waltz between impermanence and form.

The materials I use for this work espouse the conceptual focus on time. I have a love for items with intrinsic history and first used antique ledger paper for that reason – it has belonged to, been touched and some cases used by other individuals. I carefully remove sheets from antique ledger books and break down the usual numbering of pages to produce sheets with a random presentation of numbers in each corner.

Although the grid used to organize and categorize still remains on the page, the linear notion of numbers and time is disturbed. When hanging the work on the gallery wall new patterns emerge. As a whole, the process mimics chaos theory, as an organized system moves into disarray, and with the addition of effort, produces a new compilation.
I relish working with the ubiquitous graphite pencil and using the common to create moments of poetry. Like ledger paper, the pencil also has a strong sense of historical time. For many, the pencil creates a sense of nostalgia, reminder of childhood and education.

But graphite is naturally made through a metamorphosis of organic sediments. A transformativeprocess that leaves behind the carbon based graphite. This knowledge makes graphite, for me,
a perfect tool to reference the similarity and interconnectedness between everything on earth, on the molecular level and beyond.

I combine drawing and photography to create a unified and poetic pieces that reflect on the ideas of history, time and interconnectedness. The photograph is a recording of one
instance, while drawing is a longer recording of my repeated visceral movements. One moment is merged with thousands of moments in a compression of space to present an interplay on spacetime as a merging of all events; past, present, and future.

I focus on images of the sky as a universal denominator for life here on earth. Symbolically the sky is rich. All of our oldest traditions have named it and tried to understand it. Countless gods and goddess have been thought to live there. Whoever you are on the earth the sky is over head and that ten-mile swath of gases is what allows us life.

Working with it is another tie into universality and history.
But as the sky is always there it is always changing, moment to moment and day to day. It is constant, but ever so fleeting. The photograph is one moment through the mechanics of the camera.

I describe the way I draw as both a meditative and loving process. To create the smooth gradated tones of these drawings, I have to enter a zone of focus and concentration. To give something your singular devoted attention is to me a generous act.

It takes time and I feel that with the prolonged touch I make with the surface of a drawing over and over again, I am imparting my energy, myself, if you well, into the work. It is another way of considering the artist hand.

The haunting poetics of contemporary physics have been present in my work for some time, especially once I had the opportunity to team-teach with a physicist. Inspiration for this work includes the reality that the universe is expanding at a greater and greater
speed, which means that at some point in time the night sky will be devoid of stars.


The sky with constellations named by the Ancient Greeks is as temporal as anything else just at a scale remarkably different from that of our lives. And I relate this to the spiritual as well. I am by nature a seeker and the work is about that as well. As I ask
about what forces organize the universe, I also ask what organizes our lives. There is much as a human I don’t know, but I have faith in the benevolence of it all.

Special thanks to L’Air Arts Paris.

More about Jennifer and her work :

www.jenniferprintz.com

ESTE TRABALHO É FINANCIADO POR FUNDOS NACIONAIS ATRAVÉS DA FCT – FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA, I.P., NO ÂMBITO DO PROJETO “UIDB/04042/2020”

Categorias
Sem categoria

Open call

Please scroll down for the EN version

A submissão de propostas para a participação no 5 Minutos de Desenho deve ser feita através do envio de: 

– Nome, afiliação e nota biográfica do autor;
– Título da apresentação;
– Vídeo com a duração de 5 minutos;
– Resumo/abstract da apresentação;
– Artigo completo ou link para a sua consulta (quando aplicável);
– Fotografia de rosto;
– Outros documentos que se apresentem pertinentes à candidatura.

A seleção das participações é deliberada pela comissão científica tendo em conta critérios de qualidade, pertinência e originalidade das propostas, articuladas com critérios editoriais de programação, alinhamento e eventuais convites para cada série.

Submissão de trabalhos para o email do evento: 5md@belasartes.ulisboa.pt (os vídeos deverão ser submetidos por wetransfer).

Recomendações técnicas para a elaboração do vídeo

O formato em que é feita a apresentação é livre sendo apenas obrigatória a orientação horizontal e recomendada a não utilização de conteúdo sob o qual o investigador não possua os devidos direitos (música, vídeos, imagens).

Quais os requisitos para participar?

Aceitam-se propostas de apresentações por parte de investigadores (mestrado, doutoramento, pós-doutoramento), professores universitários, alunos de licenciatura com trabalhos sobre Desenho sob recomendação do professor e artistas com trabalhos de Desenho expostos (passado ou presente) convidados pela comissão científica.

Em que idioma decorrerá o evento?

Cada participante poderá apresentar o seu vídeo na sua língua materna sendo providenciada pela organização a tradução e legendagem em inglês.

Qual é o formato do evento?

O 5 Minutos de Desenho tem transmissão online diária na primeira e segunda semana de cada mês correspondendo, respetivamente a duas componentes do evento: apresentações e entrevistas. Durante a primeira semana, diariamente e de 2ª a 6ª feira, é feita a transmissão de um vídeo. Na segunda semana, diariamente e de 2ª a 6ª feira em horário a definir, são realizadas conversas em direto relativas aos vídeos da semana anterior (com os autores de cada vídeo e conduzidas pela comissão organizadora do evento). Neste segundo momento prevê-se responder a questões colocadas pelo público (através do comentário do vídeo original) ou aprofundadas questões abordadas na apresentação inicial. 

Será exceção o mês de Agosto e Setembro nos quais não se prevê transmissão de conteúdo. 

____________________________

The submission of proposals for participation in  5 Minutes of Drawing must be done by sending:

• author’s name, affiliation and biographical note;
• title of the presentation;
• 5-minute video;
• summary / abstract of the presentation;
• full article or link for consultation (when applicable);
• portrait photo;
• other documents that are relevant for the application.

The selection for participation is decided by the scientific committee taking into account criteria of quality, relevance and originality of the proposals, articulated with editorial criteria of programming, alignment and possible invitations for each series.

Submit your proposal to this email: 5md@belasartes.ulisboa.pt
(use www.wetransfer.com to send your video).

Technical recommendations for making the video:

The format in which the presentation is made is free, only horizontal orientation is required and it is recommended not to use content under which the researcher does not have the necessary rights (music, videos, images).


What are the requirements to participate?

Proposals for presentations are accepted by researchers (master, doctoral, post-doctoral), university professors, undergraduate students with works on Drawing under the recommendation of a professor and artists with exhibited drawing works (past or present) invited by the scientific committee.

In what language will the event take place?

Each participant can present his / her video in his / her native language. English translation and subtitling will be provided by the organization.

What is the event format?

5 Minutes of Drawing has a daily online transmission in the first and second week of each month, corresponding, respectively, to two components of the event: presentations and interviews. Daily, during the first week from Monday to Friday, a video is broadcasted. Also, daily, in the second week, from Monday to Friday at a time to be defined, live interviews are conducted regarding the videos from the previous week (with the authors of each video and conducted by the event’s organizing committee). In this second moment, it is expected to answer questions posed by the public (through the commentary of the original video) or deepen themes addressed in the initial presentation.

The exception will be the months of August and September in which content transmissions are not foreseen.